quarta-feira, 21 de março de 2012

A SAÚDE DO TRABALHADOR

Dr. Fonseca ao lado do Dep. João Salame

          Recentemente foi publicado em alguns blogs da cidade algo que me pareceu um pouco inusitado, pois foi de causar certo espanto a afirmação do então secretário de saúde de São Miguel do Guamá no que diz respeito a alguns trabalhadores que por “preguiça” ou desinteresse em seu trabalho, buscam o atestado médico como justificativa para suas faltas. O mais espantoso é que o mesmo afirma que o trabalhador tira dos doentes a chance de uma consulta, “ocupando” o médico para pedir-lhe um falso atestado. Diante disso gostaria de dar o meu depoimento, já que, estou fazendo pós-grauduação em medicina do trabalho pela Universidade do Estado do Pará (UEPA) e atuo como médico no município há 5 anos, e não dá para deixar de esclarecer um pouco sobre saúde do trabalhador.

            Durante muitos anos a saúde foi definida como um estado físico e mental que indicava ausência de doenças e ausência de sintomas. A transformação deste conceito veio com uma compreensão mais ampliada do processo saúde-doença, com a percepção de que múltiplos fatores determinavam o adoecer e que nem sempre estar doente significava apresentar sintomas.

            Na 8ª conferencia nacional de saúde  (1986) definiu saúde como “resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde”. O SUS (sistema único de saúde) é formado pelo conjunto de todas as ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições publicas federais, estaduais e municipais. O SUS representa uma nova concepção de assistência à saúde em nosso país. Antes a saúde era entendida como o “estado de não doença”, centrada em medidas curativa. Hoje a saúde passa a ser relacionada com a qualidade de vida da população, a qual é composta pelo conjunto de bens que englobam valores descritos acima.

Na constituição federal de 1988 em seu artigo 196 cita que “a saúde é direito de todos e dever do estado”. Ainda em 1988 a constituição definiu os princípios do SUS: UNIVERSALIDADE (saúde direito de todos e dever do poder público), INTEGRALIDADE (cada pessoa é um todo e integrante de uma comunidade assistida), EQUIDADE (reduzir disparidades sociais e regionais), DESCENTRALIZAÇÃO, REGIONALIZAÇÃO, PARTICIPAÇÃO E O CONTROLE SOCIAL.  Importante ainda pautar as leis 8.080 e 8.142 editadas em 1990 que formam a LEI ORGÂNICA DA SAÚDE.

O diagnóstico de uma doença relacionada ao trabalho, uma vez estabelecido pelo médico que atende o trabalhador, tem implicações médico-legais e previdenciárias que necessitam ser conhecidas e cumpridas pelos profissionais. Independente do local de atendimento onde é realizado o diagnóstico (rede publica ou privada). Muitas doenças, relacionadas ou não ao trabalho exigem, pela gravidade, o imediato afastamento do trabalho, como parte do tratamento e/ou pela necessidade de interromper a exposição aos fatores de risco presentes nas condições do ambiente de trabalho. Muitos médicos vêem-se em dúvidas quanto à questão dos atestados médicos. Não há uma fórmula fixa para tal tipo de decisão, que fica a critério do médico que atende o paciente/trabalhador.

É importante  distinguir deficiência, disfunção e incapacidade para o trabalho. A avaliação do grau de alguma deficiência é um procedimento médico. Essa avaliação pode e deve ser feita pelo médico que atendeu o paciente, respeitando critérios e ou outros especialistas quando necessário.

Sobre atestado médico, o código de ética médica (resolução CFM 1.931/09) estabelece Cap. III- art. 11 (é vedado ao médico receitar, atestar ou emitir laudos de forma secreta ou ilegível sem a identificação do seu CRM). No cap. X- art. 80 (é vedado ao médico expedir documento sem ter praticado ato profissional ou que não corresponda a verdade) e art. 91 (é vedado ao médico deixar de atestar atos executados no seu exercício profissional, quando solicitado pelo paciente ou por seu representante legal.

Diante de tamanha informação agora podemos responder as perguntas do então secretário de saúde:

·         Você não pode afirmar que o trabalhador não estava doente. Apenas o profissional médico e/ou especialista em medicina do trabalho tem essa autonomia.

·         Não pode ainda afirmar que o trabalhador “tira” a vaga de um doente. A saúde é direito de todos e dever do poder público.

·         Dar a entender  que o profissional médico emite falso atestado. Só quem emite atestado, é o médico, o qual fica impedido de emitir falso documento sob  risco de processo ético profissional (por ferir o código de ética médica) e processo penal (falsidade de atestado médico:  artigo 302 – código penal Lei 2848 de 7/12/1940. pena:  detenção de 1 mês a 1 ano).


A finalidade destes esclarecimentos é orientar, não com intuito de polemizar e ou criticar a posição do então secretário de saúde. Mas, sinto-me com a obrigação de também arregaçar as mangas e propor a todos os cidadãos de bem, que trabalhemos por uma sociedade mais justa e organizada e que possamos juntos construir uma nova sociedade mais digna  para nós e para nossos filhos.



Dr. Ladanil Fonseca Junior
 Médico e pós-graduando em medicina do trabalho



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